2018-11-21

Ser workaholic é motivo de orgulho ou de mudança?


Ser workaholic ou não? Qual é a perspetiva dos colegas sobre um workaholic? Qual a dos líderes de uma organização? Como encarar uma pessoa que deixa a família, os amigos e tudo o que lhe causa satisfação para se concentrar, de forma doentia no trabalho? É motivo de orgulho, ou motivo para análise e mudança de atitude? O que ganham os patrões? A curto, médio e longo prazo? Porque há líderes que promovem o equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional e outros há que ficam todos babados com a perspetiva de umas horas de trabalho suplementar sem pagamento associado?

Todas estas situações foram motivo de análise e reflexão no curso de Gestão do Tempo que estamos a realizar numa instituição. Curiosamente, apareceu-me a rúbrica da Ruth Manus que está muito apropriada ao debate que tivemos.

A rúbrica original pode ser consultada em: A geração que acha que trabalha muito mas na verdade só trabalha mal e tem um título muito sugestivo, acompanhada de um texto que diz muito do que acontece em muitas organizações. Vamos ler abaixo:

A geração que acha que trabalha muito, mas na verdade só trabalha mal

O fato é: tem muita gente que acha que trabalha muito, mas que só está trabalhando errado.

Não podemos negar que vivemos em tempos nos quais diversas pessoas têm um certo orgulho de dizer “nossa, eu trabalho MUITO”. Uma estranha vaidade de ser, em tese, workaholic, quando isso, na realidade, seria razão para buscar ajuda e não para buscar aplausos. Mas a lógica se confirma: eles dizem que trabalham demais e os que ouvem, asseguram que também estão exaustos com essa carga surreal de coisas para fazer.

Acontece que eu percebo, cada vez mais, que uma parcela gigantesca das pessoas que batem no peito, com esse misto de auto-piedade e glamourização do excesso de trabalho, na realidade, não trabalha muito. Explico-me: elas, de fato, gastam muitas horas em frente ao computador, no escritório, debruçados em livros ou planilhas, isso nenhum de nós pode negar. Mas o fato de gastar muitas horas nessas circunstâncias não quer dizer que se esteja efetivamente trabalhando.

As gerações que, hoje em dia, têm entre 20 e 40 anos (rol no qual incluo a mim mesma), têm evidentes problemas de concentração- os mais novos também, mas, de um modo geral, esses ainda não fazem parte do mercado de trabalho, razão pela qual os deixo de lado nessa conversa. Nos apresentaram a palavra multitask ou multitarefa, de certa forma, para acharmos que é viável trabalhar bem sem estarmos minimamente concentrados no que estamos fazendo. E, cada vez mais, fica evidente que isso é impossível.

A pessoa se senta para- teoricamente- trabalhar às 9 da manhã. Liga o computador. Abre o e-mail. Pega o celular para checar o whatsapp. Ouve uma mensagem de áudio. Manda mensagem em dois grupos. Retorna para o e-mail. Abre uma mensagem, começa a responder e, de repente, lembra-se que não leu as notícias naquela manhã. Abre o portal de notícias. Vai navegando até ir parar em matérias sobre futebol, moda, sobre o novo restaurante que abriu na cidade. Retorna para o e-mail, ensaia mais um parágrafo. Levanta-se para buscar um café. Faz uma parada para conversar com um colega. Já são 10 da manhã. Nada foi feito.

Outros fatores surgem para agravar a situação: whatsapp no computador. Notificações no Iphone a cada like recebido numa foto no instagram ou a cada comentário num post de facebook. Smartwatch te dizendo que você ainda não deu nenhum passo nessa última hora e que é preciso se movimentar. O corpo pedindo um cigarrinho, um cafezinho, uma aguinha gelada. Ansiedade para pensar no que se vai comer no almoço. Não há como ser produtivo assim. Simplesmente não há.

E desse modo, o que poderia ter sido feito em meia hora, se arrasta por duas horas ou mais. E é claro que, desse jeito, todo mundo vai “trabalhar” demais. É claro que ninguém vai chegar cedo em casa para brincar com os filhos, é claro que não vai dar tempo de fazer exercício físico, é claro que não vai dar pra ir no jantar de aniversário de 67 anos da tia Dulce.

O fato é: tem muita gente que acha que trabalha muito, mas que só está trabalhando errado. Gente que vira madrugada no computador porque durante o dia passou mais tempo assistindo stories do que preparando documentos. Eu não sou diferente, mas venho tentando abrir os olhos para o problema. Não estou disposta a gastar meus finais de semana em família para fazer coisas que eu deveria ter feito enquanto estava parada em frente à máquina de café, olhando o feed de notícias do facebook. Tá tudo errado.

Trabalhar muito não é bom. Não bata no peito para se dizer workaholic, busque ajuda. Mas trabalhar mal é pior ainda. São horas- suas e de quem te paga- praticamente jogadas no lixo. E, sabe, a vida é mesmo curta. E não vão ser nossas horas nas redes sociais que construirão as boas lembranças do futuro. Vão ser as noites e os finais de semana que nós estamos perdendo.

3 comentários:

josé Pousa disse...

Embora não me inclua no grupo etário descrito no texto, e no cenário traçado, pois as únicas fontes de distração que uso no trabalho é o email e o telefone (móvel e fixo), concordo plenamente com a tese “mais do que trabalharmos muito, trabalhamos mal”. Mesmo sem as distrações referidas, a falta de organização no trabalho leva a que percamos muito tempo, temos reuniões sem resultados, muitas vezes sem agenda, sem tempo de duração e sem acta e atribuição de tarefas, somos interrompidos e interrompemos os outros a cada dúvida que nos vai surgindo, ou assunto que julgamos interessante partilhar, temos que fazer retrabalho por falta de orientações e atribuições de funções pouco claras, aceitamos tarefas que devíamos recusar, por falta de competências e de tempo. Praticamos a politica de porta aberta no sentido mais amplo do termo, pois muitas vezes estamos em “open space”, estamos sempre disponíveis para as solicitações externas. Não nos disciplinamos para fazer o nosso trabalho nas horas de trabalho, o que implica que depois o tenhamos que fazer fora dessas horas, reconheço que erradamente, mas muitas vezes para mostrar que estamos muito empenhados, e vestimos a camisola. Devo confessar que tive colaboradores que cumpriam o horário, diziam não a algumas solicitações das chefias, mas cumpriam os prazos e os níveis de qualidade pretendidos, e que no final acabavam por ser eles as referencias do grupo.

Pedro Paiva disse...

Olá José Pousa!
É muito bom ter o teu testemunho. És uma pessoa que estás habituado a liderar equipas em organizações relevantes e aplaudo a tua coragem e o teu espírito de partilha. Seria mais confortável para ti não dizeres nada sobre o tema, mas é muito importante para todos nós ter um testemunho na primeira pessoa, sobre este tema que é absolutamente fundamental para atingirmos um nível de qualidade de vida e bem-estar mais próximo dos nossos sonhos de juventude (pelo menos, de uma imensa maioria).
Até breve.

Márcio Pereira de Souza disse...

Parabéns pelo texto!
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